É claro, assumir um gosto necessita de personalidade, pois quando se está ligado a um grupo, se deve ouvir o que o grupo ouve – mesmo que você goste de outras coisas, não soa bem perante o grupo admitir isso. A primeira vista não combina ter no Ipod um Job for a cowboy e um Elton John – mas numa segunda vista eu pergunto, e daí? Não admitir isso é o mesmo que não admitir que há tipos de música para ocasiões e momentos distintos. Sei lá, como eu também analiso a coisa pelo seu viés mercadológico – para o Job for a cowboy não interessa muito se alguém só curte o som deles ou se ouve Roxette também, o que no fundo todos querem é vender – seja o disco, seja o show (e obviamente faturar). Sou a favor de que se ouça um pouco de tudo, principalmente se lhe agradar. Em última instância quem decide é você – e o critério quem decide também é você, aí voltamos a estaca zero, na minha opinião eu ganho mais ouvindo uma ópera do
Verdi do que ouvindo um bonde de funk – mas nada impede alguém de ouvir, afinal, isso faz parte da dimensão pessoal de cada um. Informalmente conversando com algumas pessoas, as fiz admitir certos gostos que o “senso comum” ridiculariza. Se dividirmos a sociedade, teremos sempre a “minoria” e a “maioria” – então, se surgir uma banda ou uma música se tornar hit, é comum que ou caia no gosto da maioria ou ao menos poucos gostem, mas dificilmente haverá ignorância. O senso comum (a maioria) impõe regras, jeitos, modos, gostos – logo, quando não se caminha na direção da maioria, você se marginaliza, e automaticamente seu gosto torna-se duvidoso. Como não nos despimos de nossos preconceitos e egocentrismo, se você é alguém que ouve Miles Davis, certamente irá estranhar uma música com um verso: “no hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via, você sofrendo a sorrir” (Amado Batista). Isso para o ouvinte de jazz soa duvidoso. Para alguém que ouve brega (não todos) o jazz não faz sentido algum, ou para pagodeiros (não todos), música erudita é coisa de gente rica (sic) – logo, a dúvida (do gosto duvidoso) se dá dos dois lados. O que essas pessoas com quem eu conversei confessaram?
Que acham a música “Um anjo veio me falar” do grupo Rouge, linda. Aqueles versos podem não tocar a todos (a maioria), mas toca a algumas pessoas. Aí você torce o nariz e diz: – Rouge! É. E não se trata de gostar do grupo, eles gostam da música, mas mesmo se gostassem do grupo. Citaram “É o amor” de Zezé di Camargo e Luciano. Duvidoso para alguns, para outros uma bela música. Um deles até cantou um trecho: “e fez eu entender que a vida é nada sem você” – dizendo que marcou uma história de amor. É um sertanejo brega – há quem diga que canções de amor são sempre bregas, mas há quem goste. Eu pessoalmente não gosto nem de uma e nem da outra canção, para mim pode ser duvidoso, pois eu não gosto, não me desperta nada, mas e para eles? Muitos conhecidos meus adoram CSS (Cansei de ser sexy), outros adoram Bonde do rolê – é uma música trash, estranha, mas que agrada inclusive aos gringos. Criamos padrões que norteiam nossa vida e definem desde autores de literatura, sapatos, pratos de comida e a pessoa amada. Na música também é assim, determinamos o que nos agrada e que nos desagrada – e buscamos sempre similaridades, tons e acordes que nos remetam ao nosso “gosto” – isso explica a aversão que muitos temos pelo novo. Os entrevistados também citaram “Meu bem” da banda Catedral e “Esperando na janela” do Cogumelo Plutão – duas músicas de FM de fim de tarde, mas que a eles agradam. Aí você as ouve, se agrada, mas não confessa. E porque? Simples, porque não soa bem perante o seu grupo dizer que você gosta “disso” (sic). E o que dizer de Zéu Britto e Rogério Skylab? Que cantam coisas malditas, palavrões e verdades doídas! E veja como é estranho, a mim me agrada: “eu quero ver Soraya queimada, porque Soraya me queimou” (Zéu Britto), entre outras canções dele e de Skylab. Há quem aponte para eles como aberrações, como anti-música, como extremamente duvidosos. O deles pode ser classificado como duvidoso, o meu não, o meu é bom. Então é realmente paradoxal, e pensando melhor, não há isso de duvidoso, pois se trabalharmos com conceitos de totalidade, algo só é ruim se for considerado ruim por todos, pois enquanto alguém achar o contrário, esse algo também será bom. Embora eu ainda considere certas coisas ruins – entre elas funk e sertanejo universitário, concluo que é ruim para mim e nada me dá direito de desqualificar o gosto dos outros, embora eu possa (mas não devo). Então após analisar bem, pode até haver uma hierarquia do gosto – porém ela é pessoal e não universal. Eu posso na minha dimensão pessoal definir o que para mim é bom e o que é ruim, é diferente dos conceitos de certo e errado porque aí eles extrapolam a questão da pessoalidade. Por isso sou contra as imposições da indústria, da mídia, da imprensa musical, e considero que o papel do crítico não é dizer o que é bom e ruim, mas sim dar condições ao ouvinte de fazer ele mesmo sua avaliação. Como é o seu gosto – é duvidoso, ou duvidoso é só o dos outros.
Fonte: opensadorselvagem
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